Discussão entre Tarcísio e Garcia dá pistas sobre as campanhas
Também nesta edição: reportagem mostra impacto de narrativas enganosas na hesitação vacinal entre gestantes. Pix no centro da desinformação bolsonarista e pressão sobre o Facebook no Quênia.
Olá, queridos! A semana foi corrida e a newsletter atrasou, mas estamos novamente aqui com alguns destaques sobre o universo do combate à desinformação, redes sociais e tecnologia. Decidi abrir a edição com uma análise rápida sobre uma ‘briga’ entre pré-candidatos ao governo de São Paulo no Twitter. A ideia é sempre trazer uma pincelada de análises pessoais sobre o que leio durante a semana. Admito que isso está bem fora da minha zona de conforto, acostumada com ‘terceirizar’ as análises enquanto repórter.
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Tarcísio chama Lupa para decidir quem é ‘fake’
Os pré-candidatos ao governo do estado de São Paulo Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos) e Rodrigo Garcia (PSDB) protagonizaram uma discussão curiosa nas redes sociais. O ex-ministro da Infraestrutura do governo Bolsonaro compartilhou uma suposta captura de tela em que o tucano teria curtido um comentário “Tarcísio governador”. O conteúdo ironiza: “em uma coisa estamos de acordo, @rodrigogarcia_ . Sabemos quem é melhor para São Paulo”.
(Foto: Alan Santos/Presidência da República/Agência Brasil)
Ao responder Tarcísio, Garcia classificou a postagem como desinformação e chamou o ex-ministro de paulista ‘fake’, mais um indicativo de que o candidato do PSDB deve explorar esse argumento na campanha eleitoral. Na tréplica, o bolsonarista acusou o atual governador de ser preconceituoso e arrogante. Antes disso, ele já havia ironizado um mote de campanha em que o tucano se autodenomina “Paulista Raiz”, uma pista da tônica da defesa do ex-ministro contra a investida de adversários sobre sua relação com São Paulo.
O mais curioso, no entanto, foi uma menção de Tarcísio à Agência Lupa. Ele pediu ao veículo de checagem de fatos para confirmar quem é fake. Talvez um discurso irônico (um pouco gratuito) sobre o trabalho de verificadores. A agência costuma ser mencionada de forma negativa entre aliados do presidente Bolsonaro.
Uma rápida análise no Twitter do bolsonarista também dá indícios da estratégia de Tarcísio para a campanha. Buscas pelos termos “Rodrigo”, “Rodrigo Garcia, “Garcia”, “Fernando”, “Fernando Haddad” e “Haddad” no perfil do pré-candidato do Republicanos indicam que o tucano é o principal alvo, enquanto o petista parece escanteado.
Desde 30 de maio, Tarcísio citou o nome de Garcia em nove postagens na rede social, seis delas sobre segurança pública. A equipe do ex-ministro tem se aproveitado de notícias na imprensa sobre a cracolândia, roubos e sequestros. Provavelmente a segurança pública será um tema bastante abordado pelo pré-candidato nos debates eleitorais, até porque é uma pauta muito forte entre apoiadores de Bolsonaro.
Já o nome de Haddad não foi citado nenhuma vez. Tarcísio tem feito ofensivas contra o PT de uma forma mais ampla em conteúdos de apoio à reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Um palpite é que a campanha de Tarcísio vê Garcia como uma ameaça no primeiro turno e os ataques a Haddad devem ficar para a segundo etapa, caso o bolsonarista avance.
A última pesquisa do Real Time Big Data coloca Tarcísio em segundo, com 20%, e Garcia logo atrás com 19%. Haddad tem o favoritismo, com a preferência de 33% dos entrevistados.
Pesquisa mostra força da desinformação antivacina entre gestantes
A ProPublica, uma organização americana de jornalismo investigativo, divulgou uma excelente matéria acerca os impactos da desinformação antivacina na imunização de gestantes. O artigo mostra que, apesar de autoridades de saúde recomendarem a vacinação para esse grupo, boatos de que os imunizantes são tóxicos, causam abortos espontâneos, infertilidade, entre outras mentiras, persistem e geram hesitação.
A reportagem cita dados de uma pesquisa de opinião, divulgada em maio, que identificou que ao menos 70% das pessoas gestantes ou que tinham planos de engravidar acreditavam ou tinham incerteza diante de ao menos uma afirmação enganosa sobre o tema. O estudo entrevistou, por telefone, 1,539 adultos americanos.
A hesitação gerada pelas mentiras pode ter consequências graves, visto que a covid-19 aumenta os riscos de complicações na gravidez. Uma página do CDC americano cita ao menos cinco estudos que corroboram com o perfil de segurança da vacina para gestantes e aponta que os benefícios da imunização superam os riscos de eventos adversos. No Brasil, o Ministério da Saúde vai na mesma linha, mas condiciona a imunização a uma avaliação individual prévia e não recomenda o uso de vacinas de vetor viral, como da AstraZeneca e da Janssen.
A ProPublica mostra que antes mesmo das vacinas de covid chegarem ao mercado, profissionais da saúde antivax já espalhavam falsidades sobre a vacinação de gestantes. Essas narrativas também se aproveitaram do fato dos primeiros estudos clínicos das vacinas de covid não incluírem grávidas. Ainda que hoje se tenha mais dados de segurança, os boatos persistem. As alegações enganosas seguem uma velha cartilha da desinformação em saúde: distorcer dados de estudos científicos ou mesmo inventá-los.
Recentemente, boatos tentaram explorar um estudo divulgado na Science Advances sobre possíveis impactos da vacinação sobre o ciclo menstrual. A pesquisa indica que imunizantes podem provocar alterações temporárias, que estariam associadas também a fatores como perfil etário e histórico de saúde de pacientes. Foi o bastante para desinformadores inventarem mais uma tese enganosa que os dados são indícios que vacinas causam infertilidade, mas o estudo não conclui isso em momento algum.
No mês passado, foi a vez de dados de natalidade da Alemanha entrarem na mira da desinformação. Uma rápida pesquisa em agências de checagem de fatos brasileiras, como Estadão Verifica, Aos Fatos e Lupa, trazem outros vários exemplos de boatos sobre falsos sobre a imunização, gravidez e infertilidade.
Outras histórias interessantes
Pix na mira da desinformação bolsonarista. O Radar Aos Fatos mostra, a partir de dados de engajamento, como uma alegação falsa do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP), promoveu uma onda de desinformação sobre o Pix nas redes sociais. Os boatos surgiram de uma reação do presidente e aliados ao apoio de entidades bancárias a um manifesto pela democracia. Leia mais: Ethel Rudnitzki e João Barbosa no Aos Fatos.
Quênia ameaça suspender Facebook. No Quênia, uma agência governamental ameaçou banir do Facebook caso a rede social não tome medidas contra anúncios que incentivam discriminação e violência étnica no país. Grupos de ativistas de direitos humanos conseguiram contratar anúncios que promovem discurso de ódio e até genocídio, em suaíli e inglês. Leia mais: Vittoria Elliot na Wired.
Conflito no combate a fakes na Índia. O governo indiano intensificou ações judiciais para retirar postagens consideradas discurso de ódio e desinformação em 2021. Entidades civis acusam a gestão do primeiro-ministro Narendra Modi de usar o combate a conteúdos danosos para reprimir a oposição, enquanto faz ‘vista-grossa’ para materiais pró-governo. Leia mais: Mark Bergen na Bloomberg.
Twitter retoma doações políticas. A rede social fez uma doação de US$ 25 mil dólares para uma associação republicana que visa combater políticas pró-aborto nos Estados Unidos. O jornalista Casey Newton discorre sobre as doações políticas da plataforma, que estavam suspensas desde 2020. Leia mais: Casey Newton na Platformer.
Leia as edições anteriores da DERT:
#2: Facebook pode mudar regras para conteúdos danosos sobre covid-19
#1: [Piloto] Xandão dá sinais de linha dura contra a desinformação nas eleições